Eça de Queiroz
Quando encontrava o meu querido amigo Luís Santos Ferro, no Chiado, não tinhamos outra forma para nomear o herói, a referência, o génio, a figura omnipresente – era por José Maria que o designávamos, sempre. Se há roteiro inesquecível nesta cidade de Lisboa, esse é o queiroziano. É verdade que José Maria quase sempre esteve fora, na sua missão diplomática, designadamente em Neuilly, mas pelos seus romances, pela sua presença literária e moral – José Maria aqui está em permanência. O Chiado é o lugar maior de toda a geografia queirosiana. Vindo de casa de seus pais, no Rossio, passava no Chiado a caminho de casa do seu amigo Ramalho, no Bairro Alto, na Calçada dos Caetanos.
Para o escritor, Portugal era, afinal, o que um pequeno grupo de jornalistas, políticos, banqueiros decidisse no Chiado, fosse no Marrare, fosse no Grémio ou na Casa Havaneza. Além da Arcada e de S. Bento, era o Chiado que importava. Nesse espaço confinado, nos cafés, hotéis, restaurantes e teatros, ditavam-se as modas e discutia-se a política. Defronte de um grupo de vadios que fumava, na Havaneza, fumavam outros, de sobrecasaca, politicando ou à espera do final da missa da uma nos Mártires. No final d’ “Os Maias”, Carlos regressado a Lisboa dez anos depois de ter partido pelo mundo, num passeio pela velha cidade na companhia de seu amigo João da Ega, ambos desiludidos e cínicos, constatam que nada tinha mudado. Estavam no Loreto. A mesma sentinela sonâmbula rondava a estátua vetusta de Camões. Os mesmos reposteiros vermelhos pendiam nas portas das duas igrejas – do Loreto e da Encarnação. O Hotel Aliance conservava o mesmo ar. Como José-Augusto França dirá, é o espírito romântico que prevalece, não a decadência dos amigos de Castilho, mas um outro sentido crítico, na tradição de Garrett e Herculano.
O Ramalhete, a casa de Carlos, constitui a imagem queirosiana do país, abandonado, soturno e cheio de recordações. – E quem somos nós? – exclamou Ega. Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? “Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão”. Lá em baixo, nas Janelas Verdes, na Rampa de Santos, porém, à vista do Americano, em lugar da pura desistência, fazem uma pequena corrida, dizendo metaforicamente – “Ainda o apanhamos!”… E que significa o “Americano”? Os dias de hoje, o progresso, o desejo afinal que o atraso não fosse uma irremediável fatalidade.
Guilherme d’Oliveira Martins