Vitorino Nemésio
Vitorino Nemésio é uma das figuras mais interessantes da cultura da língua portuguesa do último século. Foi homem do Chiado, administrador da Bertrand, diretor do jornal “O Dia”, antes do António Alçada, e inesquecível conversador…
Quando o voltamos a ouvir na RTP – Memória no seu “Se Bem me Lembro” percebemos bem a riqueza da sua personalidade e da sua cultura. Autor de um romance capital, como «Mau Tempo no Canal», foi o grande investigador da “Mocidade de Herculano” e de tantos temas luso-brasileiros.
Foi grande ensaísta da cultura da língua pelo mundo repartida, cronista inspiradíssimo e inesperado poeta, com uma verve inesgotável… E se falo de inesperado poeta é porque a sua escrita revela-nos quase que uma outra personalidade – um autêntico heterónimo, com laivos surrealistas, em que, apesar da idade, há uma juventude límpida que se foi manifestando independentemente da idade… Dir-se-ia que a grande riqueza do mestre está na capacidade de voar pelo mundo da vida, sem preconceito e com verdadeira intuição criadora.
Na televisão, muitas vezes, improvisava o tema do dia, mas sempre se saía muito bem, uma vez que glosava temas que conhecia muito bem da sua longa experiência magistral.
Distraidíssimo, uma vez deu conta que se esquecera no bolso do despertador, que usava em várias ocasiões em aulas ou provas – por um triz o relógio não tocou a meio do programa… Outra vez, pediram-lhe para descascar uma maçã para um dos netos, mas no entusiasmo da conversa comeu a fruta, para desespero da pobre criança, mais interessada no suculento fruto do que nas estórias do avô.
E eis um dos seus inesquecíveis poemas, publicado em «O Verbo e a Morte»:
A Tempo
A tempo entrei no tempo,
Sem tempo dele sairei:
Homem moderno, Antigo serei.
Evito o inferno
Contra tempo,
À paz que visei.
Com mais tempo
Terei tempo:
No fim dos tempos serei
Como quem se salva a tempo.
E, entretanto, durei.»
Guilherme d’Oliveira Martins