Sophia de Mello Breyner Andresen
Sophia de Mello Breyner foi uma figura do Chiado, no Centro Nacional de Cultura, na Moraes, mas também no «Ramiro Leão», no «Paris em Lisboa» ou no Jerónimo Martins. Mulher do seu tempo, juntou sempre a feminilidade e a poesia, que eram em si inseparáveis…
Luís Miguel Cintra recordou o tempo fundamental em que Sophia de Mello Breyner Andresen disse ter terminado a tradução do «Hamlet» de Shakespeare. Foi um momento heroico. Trata-se de uma obra-prima da língua portuguesa. O mais curioso é que ocorreu em relação a esse texto de 1965 um episódio caricato que dá bem ideia do absurdo que é sempre qualquer ato de censura. António Alçada Baptista pretendeu publicar um excerto dessa magnífica tradução na revista «O Tempo e o Modo» – mas era necessário enviar as provas à Comissão de Censura. Importa esclarecer que a revista foi das mais martirizadas pela censura, tendo sofrido a proibição de cerca de metade dos textos que entre 1963 e 1969 foram a “exame”. Inesperadamente, o texto de Sophia veio totalmente cortado. António Alçada ficou estupefacto. Não esperava que tal acontecesse relativamente sobretudo a texto clássico. Pegou no telefone e falou para o coronel dos serviços de censura. Eram coronéis reformados que normalmente estavam encarregados dessa tarefa… Do lado de lá da linha, o censor confirmou o corte total do texto. António, com uma paciência infinda, explicou quem era Shakespeare e que o texto era do século XVII. No entanto, inabalável, o coronel insistiu na decisão. Era assim, não havia volta a dar… Mas não dava razões… Perante a insistência, lá veio a justificação. É que no «Hamlet» há uma personagem de nome Marcelo – e (ainda que Salazar estivesse de saúde) falava-se com insistência na hipótese de Marcelo Caetano poder suceder ao Presidente do Conselho – como aconteceria três anos depois… E o censor estava convencido que havia naquela publicação uma intenção politica qualquer… Não se conformava, porém, António Alçada – e, palavra puxa palavra, tudo acabou com um corte parcial, não se publicando a fala de Marcelo…
Guilherme d’Oliveira Martins