Gualdino Gomes
O Chiado está cheio de histórias. José-Augusto França diz que a capital de Portugal é Lisboa e a capital de Lisboa é o Chiado, e tem razão! Recordamos um episódio invocado por Luís de Oliveira Guimarães… «Uma tarde Gualdino Gomes (1857-1948) entrou na Brasileira e pediu ao criado – o venerável João – chá e bolos. João não tardou com o lanche. – Os bolos estão frescos? – quis saber Gualdino. – Se são frescos! Vieram agora mesmo da pastelaria… Gualdino, encaixando o monóculo: – Isso não prova nada. Também eu vim agora mesmo de casa – e já tenho 78 anos…». Gualdino era um conhecido jornalista, crítico de teatro, a quem Fialho de Almeida, de «Os Gatos», acusava de não ter obra… O certo, porém, é que foi durante muitos anos testemunha da boémia e da atividade teatral lisboeta e sobretudo elo entre a gloriosa geração de 1870 e os começos do século XX… Gostava de dizer: «Sou um leitor, não sou um escritor». Fizera a banca de jornalista no «Repórter», com sede no Chiado, ao lado de Oliveira Martins, D. João da Câmara e Teixeira-Gomes… Sobre «A Brasileira», dizia Raul Brandão: «A um canto, de gabinardo e barba branca, Gualdino prepara a última piada»…
Na sessão de estreia de uma peça bastante publicitada, que tinha lugar no Teatro Ginásio, o conhecido jornalista estava pronto para comentar para o seu jornal o espetáculo em cujo elenco havia figuras de proa… A representação começou, depois das pancadinhas de Molière, e foi andando, quase a preceito, como mandam as regras. No entanto, depressa se percebeu que aquele não era um dia fasto. A peça era vulgar, os atores não estavam em forma, a encenação deixava muito a desejar, o guarda-roupa era pífio, as fragilidades eram tais que a voz do ponto ouvia-se melhor do que a de alguns atores e as deixas estavam mal ensaiadas. Gualdino preparou um estratagema para se libertar daquele suplício – e, meu dito meu feito, a certa altura, havia uma tempestade em cena, que amainava para alegria do crítico… Então o escriba, levanta-se e de modo ostensivo diz: – «Vou-me andando, para aproveitar esta abertinha…
Fialho de Almeida tinha uma espécie de amor-ódio por Gualdino e estava sempre a meter-se com ele, por não ter obra e por desperdiçar o seu talento em linguados de jornal… – Oh! Gualdino estou a ver os nossos netos a lerem as tuas obras completas… O Gualdino, calado, ouvia, ouvia, e ia enchendo o saco. A certa altura, não se conteve e rebentou, com sarcasmo e gosto de vingança. Sabia de que o Fialho casara tarde com mulher abastada e sogros de largos cabedais no Alentejo. – Oh Fialho, diz-me aí as horas no relógio do teu sogro…
Outra vez, foi na estreia do «Tamar» do Alfredo Cortez, no Nacional. Como sabemos há uma cena na praia, com o cenário do mar ao fundo. Iam chegando os pescadores, com a mão na testa, em forma de pala, e passavam da direita para a esquerda no palco, olhando o horizonte, numa estranha marcação. Passou o primeiro, passou o segundo e, quando passou o terceiro, o Gualdino levanta-se e diz: – Ele há qualquer coisa e é ali para o Intendente… Vou lá ver… E saiu…
Guilherme d’Oliveira Martins