António Quadros
Se há contemporâneo que fez do Chiado seu lugar de eleição, ele é António Quadros (1923-1993) pensador, crítico, professor, mas também poeta e ficcionista.
Fundou o IADE – Instituto de Arte, Decoração e Design (hoje integrado na Universidade Europeia), foi diretor das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, e dirigiu a extraordinária Biblioteca Breve do ICALP. No seu percurso de pensador e publicista foi um dos fundadores e diretores das revistas “Acto” e “57” (1957-62), bem como da “Atlântico” e da “Espiral”. Pertenceu ao Grupo da Filosofia Portuguesa, com José Marinho, Afonso Botelho, Orlando Vitorino, António Telmo, Álvaro Ribeiro, Dalila Pereira da Costa, Pinharanda Gomes e Francisco Cunha Leão – sob a inspiração de Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes e Delfim Santos. Traduziu Camus, André Maurois e Jean Cocteau.
No campo do Ensaio, com produção muito prolífera, foi autor de “Portugal Razão e Mistério” (1986-87) e “Fernando Pessoa – A Obra e o Homem” (1982). Na ficção, escreveu “Histórias do Tempo de Deus” (1965) e na poesia “Além da Noite” (1949).
Conheci-o em toda a minha vida. E hoje, graças aos meus amigos Mafalda, António e Rita, seus filhos, sou membro, com muito gosto, da Fundação que tem o seu nome. Era filho de Fernanda Castro e de António Ferro, e houve algo que sempre nos ligou, o facto de ele ter vivido na casa da Calçada dos Caetanos (hoje Rua João Pereira da Rosa) no Bairro Alto, entre o Conservatório e a Rua do Século, a antiga Rua Formosa. Ora essa casa foi, em Lisboa, aquela onde moraram Ramalho Ortigão e Oliveira Martins. E a história que hoje recordo tem a ver com uma sucessão feliz de diligências sobre essa casa que nos ligava tão intimamente. Antes de entrar nos factos, recordo que António Ferro e Fernanda de Castro chamavam a essa casa “o soviete dos Caetanos”, onde tudo se partilhava, desde o sal e o pão, até ao teatro, à poesia e à arte. No primeiro andar, que havia sido a casa de meus tios Vitória e Joaquim Pedro, morava a família Ferro, onde até havia um teatrinho, e no segundo andar viveram Ofélia, Bernardo Marques e José Gomes Ferreira. O que conto só se compreende, a partir desta invocação – que também é memória dramática, pois aí se matou Ofélia… E entremos na matéria. Num fim de tarde primaveril, encontrei António Quadros, próximo do Largo de Camões, à saída da Rua do Loreto, era nos anos oitenta do distante século passado, e trocámos dois dedos de conversa. Ainda vivia Fernanda de Castro. O António queixou-se amargamente do lamentável estado em que estava a casa dos Caetanos, vítima de muitas vicissitudes: um fogo, infiltrações, humidades endémicas, lixo, rataria, numa palavra, um desastre. Despedimo-nos amigavelmente e continuei Chiado abaixo. Eis senão quando dou de caras com o meu amigo Rui Godinho, vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Não podia vir mais a propósito. E relatei-lhe o que se passava naquele velho edifício do Bairro Alto. Expliquei a história. Ele sabia do Ramalho, do Oliveira Martins e do António Ferro, que têm as placas no primeiro andar, mas não fazia ideia nem do “soviete dos Caetanos” nem dos habitantes do segundo andar. E logo me prometeu que havia de criar condições para que o edifício fosse devidamente reparado. Eu conhecia bem o Rui Godinho, através das nossas filhas, e sabia que era um homem de palavra. Meu dito, meu feito – pouco tempo depois, o prédio foi devidamente posto em condições, sendo, com inteira justiça, o que tem maior número de invocações da cidade. Recordo o episódio com gosto e saudade. E devo dizer, que ainda não desisti de conseguir a única placa que lá falta – a homenagem à memória do meu amigo António Quadros. Lá chegaremos…
Guilherme d’Oliveira Martins