Alexandre O´Neill e Amália
Alexandre O´Neill (1924-1986) é um dos grandes poetas portugueses de sempre. O Chiado era-lhe lugar de passagem obrigatório. A última vez que o vi foi a sair da Bertrand. A sua obra é inesgotável. Cada palavra é ideia e é festa… Foi um dos grandes amigos de António Alçada. Ambos mantiveram sempre um enorme afeto, por nunca se levarem demasiado a sério. Foi o Alexandre que fez o António descobrir o João Guimarães Rosa. E os seus poemas permitem conhecermo-nos melhor e saber entender o fundo picaresco da nossa cultura, que o António Tabucchi gostava de enaltecer.
E, assim, lembramos três belos e enigmáticos poemas, que nos permitem entender quem verdadeiramente somos. O primeiro é sobre a misteriosa palavra já: «Já não é hoje? / Não é aquioje? / Já foi ontem? / Será amanhã? / Já quandonde foi? / Quandonde será? / Eu queria um jazinho que fosse / aqui já / tuoje, aqui já…».
O segundo poema foi imortalizado por Amália. Falo de “Gaivota”, que me faz lembrar Amália a fazer compras no Ramiro Leão e a cruzar-se com Palmira Bastos, por todos saudadas com júbilo e deferência: «Se uma gaivota viesse / trazer-me o céu de Lisboa / no desenho que fizesse, / nesse céu onde o olhar / é uma asa que não voa, / esmorece e cai no mar. / Que perfeito coração / no meu peito bateria, / meu amor na tua mão, nessa mão onde cabia / perfeito o meu coração».
E ainda de Amália (hoje com Adriana Calcanhoto) vem à lembrança uma minuciosa formiga e a sua fábula reinventada! «Minuciosa formiga / não tem que se lhe diga: / leva a sua palhinha / asinha, asinha. / Assim devera eu ser / e não esta cigarra que se põe a cantar / e me deita a perder / Assim devera eu ser: / de patinha no chão / formiguinha ao trabalho e ao tostão. / Assim devera eu ser / Se não fosse não querer…».
Guilherme d’Oliveira Martins