No âmbito dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, o Centro Nacional de Cultura, que tem vindo a tratar o espólio da revista Raiz & Utopia assinala a importância da publicação como momento fundamental de reflexão e debate na fase de estabilização da democracia, através de uma Exposição que está patente na sua sede entre 1 de abril e 3 de maio e de um Debate sobre a revista que terá lugar no dia 18 de abril às 18h, também nas instalações do CNC.
A revista Raiz & Utopia surgiu na Primavera de 77. Vivia-se então em Portugal o efeito de um confronto – se não sangrento, pelo menos violento -, de que os saneamentos e as campanhas de dinamização cultural do MFA foram aspetos desgastantes que, mesmo à distância, mais parecem anedóticos.
A sociedade estava cansada de “palavras de ordem” e de um excesso de politização, o que explica o amplo movimento de adesão que se criou em torno da revista.
Ao manifesto Raiz & Utopia (que teve três autores, António José Saraiva, José Baptista e Carlos Medeiros, os dois primeiros já desaparecidos) reagiram por escrito dezenas de intelectuais e políticos de vários horizontes – e essa foi uma primeira grande vitória da Raiz & Utopia a que se viriam a somar outras semelhantes ao longo da sua existência, que terminou no Outono de 81.
Adelino Amaro da Costa, Alfredo de Sousa, Nuno de Bragança – para só citar estes, também desaparecidos tão antes do tempo – saudaram, entre muitos outros, a “pedrada no charco” que era o Manifesto publicado no nº 1 e que aqui se resume com o texto na contra-capa desse número, hoje esgotadíssimo:
Os burocratas, tecnocratas e salvadores políticos dos vários mundos, independentemente das suas diferenças de situação e doutrina, estão empenhados em consolidar um sistema em que a grande maioria dos homens executa mecanicamente as decisões tomadas por alguns. Torna-se cada vez mais urgente restituir a cada homem a sua humanidade, quadriculada e esquartejada num mundo cada vez mais programado. “Raiz & Utopia” não propõe uma nova doutrina no plano político e ideológico em que se exibem os actores do dia. Não contribui para o discurso dominante. Tão pouco alinha com o que é moda chamar-se “ciência”. Recusa a ilusão do “progresso” considerando que a famosa “marcha da humanidade” é um comboio num túnel em forma de funil. Os problemas de raiz estão hoje escamoteados no discurso tecnoburocrata. É preciso mudar radicalmente a problemática a partir do quotidiano, transformar a atitude do espírito perante as coisas. A utopia não é um impossível: é um Norte, a Leste ou a Oeste das ilusões confortáveis que hoje são servidas como ópio às massas resignadas.
Estava-se em 1977. Ainda não se vislumbravam os contornos da sociedade da informação, tal como hoje a conhecemos, desejamos e tememos – e no entanto há quase trinta anos anunciava-se já o tempo que hoje vivemos.
Raiz & Utopia – de que Helena Vaz da Silva assegurou a direção a partir do nº 5 até ao fim – foi, de facto, pedrada no charco enquanto existiu. Quando parou, não foi por falta de leitores, mas por se ter entendido que se tinha esgotado o seu projeto, que estava cumprida a sua missão de proclamar uma nova atitude face à vida e à política.
A revista perfez um ciclo – nasceu na Primavera, morreu no Outono, 4 anos volvidos -, mas o seu apelo a uma utopia radical, em favor de um repensar dos fundamentos da vida, propagou-se e deixou sementes.
EXPOSIÇÃO
A RAIZ & UTOPIA QUE O 25 DE ABRIL TROUXE – ESPÓLIO DE UMA REVISTA QUE SONHA E QUE PENSA
1 de abril a 3 de maio | Dias úteis, das 10h às 13h e das 14h às 17h
CNC – Sala Sophia de Mello Breyner Andresen e Francisco de Sousa Tavares
Entrada livre
DEBATE
O MANIFESTO DA REVISTA RAIZ & UTOPIA, AGORA
Com a participação de Carlos Laranjo Medeiros, Maria Bello, Rita Azevedo Gomes, Vasco Rosa e moderação de Guilherme d’Oliveira Martins
18 de abril, 18h
CNC – Sala Sophia de Mello Breyner Andresen e Francisco de Sousa Tavares
Entrada livre mediante a capacidade da sala
>> Leia aqui o “Manifesto da Raiz & Utopia”
Testemunhos de quem criou e colaborou na Revista:
Em 2024
Luís Crespo Andrade
Vasco Rosa
Carlos Medeiros
Rita Azevedo Gomes
Mário Baptista Coelho
Carlos Medeiros
Em 2007
Gonçalo Ribeiro Telles
Regina Louro
Eduardo Lourenço
Em 1979
Helena Vaz da Silva