Olhares

Olhares dos poetas e dos escritores sobre o Chiado.

Calçada portuguesa no Largo do Chiado (1940), António Passaporte 1901-1983 © Arquivo Municipal de Lisboa (Cota: PAS015272)
José de Almada Negreiros; Retrato de Fernando Pessoa; Museu Calouste Gulbenkian – Coleção Moderna; Foto: Carlos Azevedo

O Chiado sabe-me a açorda.
Corro ao fluir do Tejo lá em baixo.
Mas nem ali há universo.
E o tédio persiste como uma mão regando no escuro.

(Poesias de Álvaro de Campos, 1944)

Fernando Pessoa (1888-1935)

“Para ver o Mundo só há dois píncaros. Ou o Himalaia, ou o Chiado. Decidi-me pelo Chiado”.
(No Chiado, 1911)

Guerra Junqueiro (1850-1923)
Capa do livro O Poema de Lisboa. Edição da Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa,1957

Chiado
Coração da cidade, palpitante / de agitação, de movimento e vida, / 
muito embora, por vezes, de inconstante / frívola, ingénua e inconsciente lida.

“Rendez-vous” de janotas, / de elegâncias preciosas, antipáticas, /
pseudo aristocráticas / supinamente idiotas.
(…)
Café da Brazileira….café novo, / com políticos sempre em berraria, / 
discutindo, – (conversas que não louvo) – / aquilo que primeiro existiria:/
se a galinha, se o ovo, / ou a Democracia. /
Defensores acérrimos do povo /
que, sem eles, talvez, bem melhor viveria!

(O Poema de Lisboa, 1957)

 

Augusto de Santa Rita (1888-1956)

Loira

Eu descia o Chiado lentamente / Parando junto às montras dos livreiros /
Quando passaste irônica e insolente, / Mal pousando no chão os pés ligeiros.

 

O céu nublado ameaçava chuva, / Saía gente fina de uma igreja; /
Destacavam no traje de viúva / Teus cabelos de um louro de cerveja.

 

E a mim, um desgraçado a quem seduzem / Comparações estranhas, sem razão, / 
Lembrou-me este contraste o que produzem / Os galões sobre os panos de um caixão.

 

Eu buscava uma rima bem intensa / Para findar uns versos com amor; /
Olhaste-me com cega indiferença / Através do lorgnon provocador.

 

Detinham-se a medir tua elegância / Os dandies com aprumo e galhardia;/
Segui-te humildemente e a distância, / Não fosses suspeitar que te seguia.

 

E pensava de longe, triste e pobre, / Desciam pela rua umas varinas /
Como podias conservar-te sobre / O salto exagerado das botinas.

 

E tu, sempre febril, sempre inquieta, /Havia pela rua uns charcos de água /
Ergueste um pouco a saia sobre a anágua / De um tecido ligeiro e violeta.

 

Adorável! Na idéia de que agora / A branda anágua a levantasse o vento /
Descobrindo uma curva sedutora, / Cada vez caminhava mais atento.

 

Mas súbito parei, sentindo bem / Ser loucura seguir-te com empenho, /
A ti que és nobre e rica, que és alguém, / Eu que de nada valho e nada tenho.

 

Correu-me pelo corpo um calafrio, / E tive para o teu perfil ligeiro /
Este olhar resignado do vadio / Que fita a exposição de um confeiteiro.

 

Vi perder-se na turba que passava / O teu cabelo de ouro que faz mal; /
Não achei essa rima que buscava, / Mas compus este quadro natural.

( O Livro de Cesário Verde, 1986)

Cesário Verde (1855-1886)

“Encontrar-se no Chiado, significa ter a fina flor da graça, a vivacidade conceituosa e costumes dissipados. (…) Ó lisboa, tu não tens caracteres, tens esquinas!”
(Prosas Bárbaras, 1903 )

Eça de Queiroz (1845-1900)
Fernanda de Castro, coleção particular

Chiado imenso que em dois palmos cabe, / pedacinho do mundo a palpitar… / Coração da cidade que nem sabe / do que é feito esse encanto singular.

(Lisboa com seus poetas, 2000)

Fernanda de Castro (1900-1994)

Voltemos ao Chiado. É já quase meio-dia; / Vamo-nos encostar à porta da Havaneza, / E veja-se passar Lisboa, essa burguesa, / Que vai de risca ao meio e vai de fato preto / Ao sport da uma hora – à Igreja do Loreto. 
(No Chiado, 1911)

Guerra Junqueiro (1850-1923)
Estátua de Fernando Pessoa à porta da "Brasileira do Chiado"© CNC-Adriano Rodrigues

Ó sino da minha aldeia, / Dolente na tarde calma, / Cada tua badalada / Soa dentro de minha alma.”

“O sino da minha aldeia, Gaspar Simões, é o da Igreja dos Mártires, ali no Chiado. A aldeia em que nasci foi o Largo de S. Carlos, hoje do Directório e a casa em que nasci foi aquela onde mais tarde (no segundo andar, eu nasci no quarto) haveria de instalar-se o Directório republicano. (Nota: a casa estava condenada a ser notável mas oxalá o 4º andar dê melhor resultado que o 2º) “.
(Carta a João Gaspar Simões, 1931)

 

Fernando Pessoa (1888-1935)

“O Chiado – resistirá. Enquanto existirem a Havaneza, a Brasileira, a Bertrand, têmo-lo vivo!” (Peregrinação em Lisboa, 1993)

Norberto de Araújo (1889-1925)