Olhares dos poetas e dos escritores sobre o Chiado.
Chiado
Coração da cidade, palpitante / de agitação, de movimento e vida, /
muito embora, por vezes, de inconstante / frívola, ingénua e inconsciente lida.
“Rendez-vous” de janotas, / de elegâncias preciosas, antipáticas, /
pseudo aristocráticas / supinamente idiotas.
(…)
Café da Brazileira….café novo, / com políticos sempre em berraria, /
discutindo, – (conversas que não louvo) – / aquilo que primeiro existiria:/
se a galinha, se o ovo, / ou a Democracia. /
Defensores acérrimos do povo /
que, sem eles, talvez, bem melhor viveria!
(O Poema de Lisboa, 1957)
Loira
Eu descia o Chiado lentamente / Parando junto às montras dos livreiros /
Quando passaste irônica e insolente, / Mal pousando no chão os pés ligeiros.
O céu nublado ameaçava chuva, / Saía gente fina de uma igreja; /
Destacavam no traje de viúva / Teus cabelos de um louro de cerveja.
E a mim, um desgraçado a quem seduzem / Comparações estranhas, sem razão, /
Lembrou-me este contraste o que produzem / Os galões sobre os panos de um caixão.
Eu buscava uma rima bem intensa / Para findar uns versos com amor; /
Olhaste-me com cega indiferença / Através do lorgnon provocador.
Detinham-se a medir tua elegância / Os dandies com aprumo e galhardia;/
Segui-te humildemente e a distância, / Não fosses suspeitar que te seguia.
E pensava de longe, triste e pobre, / Desciam pela rua umas varinas /
Como podias conservar-te sobre / O salto exagerado das botinas.
E tu, sempre febril, sempre inquieta, /Havia pela rua uns charcos de água /
Ergueste um pouco a saia sobre a anágua / De um tecido ligeiro e violeta.
Adorável! Na idéia de que agora / A branda anágua a levantasse o vento /
Descobrindo uma curva sedutora, / Cada vez caminhava mais atento.
Mas súbito parei, sentindo bem / Ser loucura seguir-te com empenho, /
A ti que és nobre e rica, que és alguém, / Eu que de nada valho e nada tenho.
Correu-me pelo corpo um calafrio, / E tive para o teu perfil ligeiro /
Este olhar resignado do vadio / Que fita a exposição de um confeiteiro.
Vi perder-se na turba que passava / O teu cabelo de ouro que faz mal; /
Não achei essa rima que buscava, / Mas compus este quadro natural.
( O Livro de Cesário Verde, 1986)
“Ó sino da minha aldeia, / Dolente na tarde calma, / Cada tua badalada / Soa dentro de minha alma.”
“O sino da minha aldeia, Gaspar Simões, é o da Igreja dos Mártires, ali no Chiado. A aldeia em que nasci foi o Largo de S. Carlos, hoje do Directório e a casa em que nasci foi aquela onde mais tarde (no segundo andar, eu nasci no quarto) haveria de instalar-se o Directório republicano. (Nota: a casa estava condenada a ser notável mas oxalá o 4º andar dê melhor resultado que o 2º) “.
(Carta a João Gaspar Simões, 1931)