No passado recente, tem havido uma série de intersecções entre alguma música tradicional espanhola (em especial a catalã) com electrónica contemporânea. Rosalía é um pouco responsável, mas já havia um antes e, manifestamente, há agora um depois do seu sucesso universal. Marina Herlop colocou-se na linha da frente graças a “Pripyat”, a intensa estreia na PAN na primeira metade deste ano. Ao terceiro álbum – depois de “Nanook” e “Babasha”, ambos de 2008 -, coloca a voz ao serviço do avant-garde e de ritmos gordos e chorões que combinam sensualidade com pastilha elástica.
Dom muito próprio de Marina Herlop. A escolha por uma linguagem inexistente, imaginada por ela para edificar e conduzir melodias transforma cada canção numa belíssima efemeridade pop. Com isto não se quer dizer que a música é volátil. As harmonias que constrói agarram de imediato e a estranheza da linguagem capta a atenção. Como que uma alienação de tudo o resto, uma ferramenta para se ser puxado para dentro das canções de Herlop e ficar envolvido nos beats quebrados, estruturas partidas ou esticadas que adornam uma electrónica que parece vir de dentro.
A voz é a orgânica disto tudo. Marina Herlop usa-a e, em segundo plano, o piano para construir uma certa acrobacia entre o clássico e o contemporâneo, o tradicional e o pop, o desejo de performance com uma electrónica frontal e assertiva. Há vontades de hyperpop e o encaixe com a PAN é perfeito, porque se pensa imediatamente em Arca, Eartheater ou Pan Daijing, mas também em Beatrice Dillon, Yves Tumor e Anne Imhof. Ou seja, faz parte da família. E, por aí, pensa-se em como a electrónica tornou-se em qualquer coisa de orgânico com a PAN, de como olhamos para os seus artistas como sussurros do futuro. Ouvir Marina Herlop é sentir essa interação, mas mesmo sem PAN teria conquistado isso com direito próprio. Folk sem medo da inovação, electrónica que sabe assimilar e, sobretudo, o uso da voz para conduzir harmonias para sonhos pop que, antes de Herlop, pareciam muito distantes. AS
Canadian Rifles é o moniker a solo do músico experimental Rui P. Andrade, sediado no Porto. Ao leme do selo Eastern Nurseries, a música gravada de Andrade é caracterizada pela sua sensibilidade sem limites, com a sua capacidade de transmitir emoções delicadas através de processos sónicos opulentos, mas subtis. Andrade tem uma grande sensibilidade entre a electrónica de textura pesada, melodias sedutoras e um sentido de fatalismo semelhante ao éter, o seu trabalho como espingardas canadianas não quer ser tomado como uma tela, exige ser fisicamente afectivo. Como o próprio axioma do rótulo implica: é a música que sangra, independentemente da forma ou forma.