“(…) Parece fácil e fascinante, mas a Polaroid é perigosa e traiçoeira.
A luz do sol queima até ao insuportável branco, a falta de luz traz de imediato o terrível negro. Composição do estúdio? Não há tempo.
Equilíbrio? Como, se eu sou desequilibrado. E a mão treme, o visor não coincide com a objetiva, nem a luz, nem o quadro é o que eu espreito, o meu olhar, o meu ato de escolha, nunca aparecia quando a imagem se is formando e finalmente se fixava. Confesso que as primeiras seis ou sete fotografias foram despejadas no lixo. A partir daí passei a aceitar e até a gostar das enormes surpresas. Atrevi-me a compor, a corrigir com manchas de tinta acrílica (quão difícil é trabalhar essa matéria que não é suave e se mistura mal!), organizando depois as imagens obtidas num raio de menos de quinhentos metros a partir de minha casa, por cores e temas,metonímia e não metáforas, como no cinema de que eu gosto.
E a segunda confissão, talvez a mais importante, foi o aparecimento, como magnífica dádiva, de dois fantasmas: um a partir de um tronco deitado no jardim botânico, outro, a partir de uma pintura na parede de uma igreja, cuja inteira responsabilidade é dessa extraordinária máquina da fixidez dos instantes e não minha, garanto-vos. “
João Botelho, no princípio de maio de 2023, em Lisboa
O projeto PILLOW BOOK – LIVRO DE CABECEIRA & POLAROID é uma iniciativa da Incubator Photo Gallery, em parceria com a Ar de Filmes/Teatro do bairro. Ao longo de 2023 e 2024, o Teatro do Bairro exibe, com periodicidade bimensal, pillow books de figuras ligadas às mais diversas áreas que aceitaram o desafio lançado pela Incubator. Pedro Cabrita Reis inaugurou o projecto em Fevereiro, seguindo-se Luísa Costa Gomes em Abril. Depois de João Botelho, seguem-se António Pires, Carlos Martins, Nuno Carinhas, Rui Chafes, Pedro Migueis, Paulo Moura, entre outros. Cada um deles verá o seu pillow book também editado em livro, à venda na bilheteira do TdB e no site incubatorgallery.com
A questão que se coloca para um projeto desta natureza reside no facto de os convidados praticarem diferentes “escritas”, com “vocabulários” próprios e, normalmente, sem conexões entre si. Assim, a “escrita” de um artista visual não é a mesma de um músico ou de um empresário, nem a “escrita” de um arquiteto é a mesma de um diretor de cinema ou de um cantor. Porém, para que o projeto tenha coerência na “escrita” é preciso encontrar uma “escrita comum” que pode ser facilmente utilizada por cada hóspede. Polaroid é a “escrita comum.
A exposição poderá ser vista até 30 de julho, em dias de espetáculo no Teatro do Bairro: durante a semana entre as 19h e 20h e aos fim-de-semana entre as 15h e 17h.