Tempos houve em que a presença de Alex Zhang Hungtai era recorrente na ZDB. Morador em Lisboa durante uma temporada, por cá amigou, foi estando atento ao que o rodeava e foi recolhendo experiências e vida com uma presença discreta que o levou também a enredar-se com alguns dos nossos luminários das músicas mais incatalogáveis e desalinhadas que vão avançando formas por este lado – em particular com David Maranha e Gabriel Ferrandini. Ser em busca incessante, entretanto relocado nos Estados Unidos, daí tem erigido uma obra pulsante que torna desnecessário o recurso a ‘Badlands’, disco de 2011 que o catapultou enquanto Dirty Beaches para uma espécie de estrelato indie, para chegar a um momento pivotal e definidor da sua música do agora. As canções sombrias ficaram no passado, enterradas com esse pseudónimo e ali esperam para serem desencantadas quando delas precisarem. Há muito que Hungtai está já num outro espaço. Sempre liminal.
Assumindo o nome próprio e recorrendo ao saxofone, piano, electrónica e percussão, o músico de origem taiwanesa tem recolhido sombras, destroços e pulsões do jazz, do minimalismo, da improvisação ou do ambientalismo mais austero para pairar sobre uma música que da incerteza se assumiu muito sua com ‘Divine Weight’. Lançado na então vital e entretanto desactivada(?) NON Worldwide em 2018, foi como que uma revelação dos fantasmas – nem sempre benignos – que o vinham a assombrar após a capitulação de Dirty Beaches: temas de hipnose e langor, levantados a partir de tentativas para composições para saxofone que nunca o chegaram a ser e se transmutaram num caudal etéreo que já pouco tem da sua origem, apenas a névoa das suas memórias. Emocional e, já aqui estamos, cinemático, Divine Weight é base para um trabalho que entretanto assumiu a composição de bandas sonoras como ofício primário, como ‘August at Akiko’s’ e já este ano ‘Godland’.
Neste seu regresso o “amigo americano” apresenta-se no Aquário ao saxofone e ao piano. Indício franco para um trabalho futuro que vai sendo laminado a um ritmo próprio. BS
Saxofonista de rodagem imparável e energia vital para diversas movimentações nesta e noutras cidades, reconhece-se a Pedro Alves Sousa uma capacidade tão rara quanto natural de habitar e confundir diversas esferas musicais, que na passagem pelo jazz em várias formas, pela electrónica mais arisca, pelo rock enviesado e improvisações sem nome nem lugar nunca perde o acervo e cunho pessoal dos mais honestos e inconformados. Da parceria de longa data com Gabriel Ferrandini – em duo, Volúpias, Casa Futuro ou formações mais ou menos perenes – a EITR, colaborações pontuais com bandas como Black Bombaim ao mais recente conluio com Simão Simões. E por aí, para trás e para diante numa rede expansiva que tem sublimado uma linguagem tão continuamente nova quanto singular. Ofício abençoado. BS