Afonso Lopes Vieira
Afonso Lopes Vieira (1878-1946) foi um poeta muito ligado a Leiria e a S. Pedro de Moel, que também marcou o Chiado. A sua casa no Palácio da Rosa, na Mouraria, constituiu exemplo de uma sensibilidade que procurava ir ao encontro das raízes da nossa cultura, desde a poesia trovadoresca à tradição literária do ocidente peninsular, de Bernardim a Garrett. Autor de “País Lilás, Desterro Azul”, escreveu também uma obra pouco conhecida “Éclogas de Agora”, que foi proibida pela censura, e só pôde ver a luz do dia depois de 1974, que revela um profundo desejo de liberdade. Citemo-la: «Mordaças não convêm a lusas bocas; /e senão vede aqueles / grandes zagais antigos, / glórias desta ribeira, / chamados Gil Vicente e Luís de Camões / e padre António Vieira, / que todos foram bravos, / todos falaram rijo / na Portuguesa Língua forte e clara / ou no paço dos reis / ou no divino Poema / ou na defesa épica de escravos!… / E nós, zagais que fomos / os primeiros na luta destemida, / havemos de ficar assim calados, / mais medrosos que os gados, / como ovelha que bala de perdida? / E quem manda calar-nos? / Esses que se abrigavam / nas cabanas amigas / ou nas tocas seguras / quando se armavam cá no prado as brigas!…».
Passou-se com ele este episódio. Henrique de Paiva Couceiro (1861-1944) foi um resistente monárquico persistente e por isso respeitado pelos seus adversários. Em outubro de 1910, foi dos únicos que se bateu em defesa de D. Manuel II, sem sucesso. Muitas vezes foi preso, sofreu o exílio, foi julgado, condenado, mas manteve sempre a mesma coerência. Numa das vezes em que foi detido e estava numa das esquadras de Lisboa, Afonso Lopes Vieira, o grande poeta de S. Pedro de Moel, soube do sucedido e decidiu exprimir a sua solidariedade para com o amigo. Fez uma pequena mala, onde colocou um pijama, uma muda de roupa, os utensílios fundamentais de higiene e partiu para a esquadra da polícia, suponho que da Praça da Alegria. Chegado, dirigiu-se ao piquete e disse: – Venho para ser preso! O guarda não queria acreditar no que ouvia… E perguntou: – Mas que deseja o senhor! E o poeta respondeu: – Quero exatamente o que já ouviu – ser preso! – Mas cometeu algum crime? – redarguiu o polícia – Claro que não… Mas não é aqui que está Paiva Couceiro? Pois bem, se está é porque aqui prendem pessoas de bem, e por isso aqui estou. O guarda ficou sem resposta e Afonso Lopes Vieira sentou-se na sala de espera com a maleta a seus pés…
Guilherme d’Oliveira Martins