José-Augusto França
O Chiado do Professor França é uma placa giratória. Por graça, alguns chamavam-lhe “Paris em Lisboa”, como alcunha. Desde a Antiga Biblioteca Nacional à Rua Garrett, da Sá da Costa à Bertrand, à Portugal ou à Férin, a Havaneza e os Mártires, o Conselheiro Acácio e Luísa, das tertúlias da Brasileira ao sobe e desce da Rua Garrett, passando pelas presenças de Abel Manta, Aquilino, Manuel Mendes, António Sérgio – o Chiado era “tout Lisbonne”. “Unicórnio” nasceu na ‘Brasileira do Chiado’, onde muitas outras coisas nasceram ou se geraram, desde meados dos anos 10. Nos seus anos 50, foi já em fim de época, nas transformações de então da cidade, do Chiado. Nasceu por efeito do convívio com os amigos surrealistas, quando ainda, nas mesas do café, se convivia, lendo o Diário de Lisboa, engraxando os sapatos, pagando a bica com gorjeta de dois tostões para acertar a conta, e aguardando horas do elétrico para casa.
Com a ironia que todos lhe conhecemos, José-Augusto França (1922-2021) gostava de dizer que Lisboa é a capital de Portugal, o Chiado a capital de Lisboa e o Grémio Literário a capital do Chiado. De facto, o Chiado muito lhe deve. José-Augusto França foi o historiador de Arte que soube sempre aliar a análise cuidada e aprofundada da criação cultural e artística ao contexto social e económico. A leitura das suas obras é uma oportunidade rara de conhecimento, uma vez que relaciona a sociedade e a vida, vendo-se a história como um conjunto compreensivo, que torna a sua apresentação apaixonante. José-Augusto França, antigo Presidente do Centro Nacional de Cultura e sócio honorário, soube aliar a análise cuidada e aprofundada da criação cultural e artística ao contexto social e económico. A leitura das suas obras constitui, assim, uma oportunidade rara de conhecimento dos temas que tratou, desde a reconstrução da cidade de Lisboa após o terramoto até à exaustiva análise da Arte portuguesa dos séculos XIX e XX, uma vez que relaciona a sociedade e a vida, vendo a história como um conjunto global e compreensivo, tornando a sua apresentação apaixonante. Não é possível estudar qualquer um destes temas sem o conhecimento da completa investigação realizada pelo Professor França, que é indubitavelmente a mais exaustiva e esclarecedora que se conhece sobre a matéria.
Tendo frequentado Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, José-Augusto França, como bolseiro do Estado francês, em 1959, estudou na Universidade de Paris-Sorbonne até 1963, tendo trabalhado, entre outros, com Pierre Francastel (1900-1970). Em Paris, doutorou-se em História, em 1962, com a tese “Une Ville des Lumières: la Lisbonne de Pombal”, e em Letras, em 1969, com a tese “Le Romantisme au Portugal”.
Quando o historiador foi solicitado a pronunciar-se sobre a classificação da «Lisboa Pombalina», em 1967, no âmbito da ação do Município de Lisboa, considerou a necessidade de compreender o movimento histórico que corresponde ao surgimento da moderna cidade de Lisboa reconstituída sob a orientação de Sebastião José e da sua esclarecida equipa. Daí a proposta de alargamento da zona a classificar, considerando a abertura da Avenida da Liberdade, nos anos oitenta do século XIX, quando se rompeu o espaço confinado do Passeio Público. A noção de preservação dos bens culturais, do património, dos conjuntos urbanos e da memória é hoje considerada, na senda do entendimento pioneiro de José-Augusto França, num sentido amplo e integrado em nome da qualidade e da fidelidade histórica. Não sendo a cidade uma realidade isolada, uniforme ou momentânea, há que considerar ainda os núcleos que a complementam, como os de raiz rural, que contribuem para a definição da identidade da cidade.
No Centro Nacional de Cultura não esquecemos o contributo inestimável de José-Augusto França, como presença regular nos passeios de domingo, com Helena Vaz da Silva, nos roteiros, nos debates e na ação constante em prol do património cultural. Aqui se albergou, graças à sua iniciativa, o Mestrado de História da Arte da Universidade Nova de Lisboa.
Guilherme d’Oliveira Martins