Pode falar-se de Navy Blue, para começar, apresentando factos que sustentam o classificativo “original” com que tantas vezes é descrito: o artista que actualmente vive em Bedford-Stuyvesant, Brooklyn, Nova Iorque, está em vésperas de completar 25 anos, é fã de futebol (adepto do Arsenal!), foi skater profissional com ligações à marca/loja Fucking Awesome (e isso é fucking awesome, claro), modelo escolhido para representar marcas como a Supreme e, por exemplo, é amigo de infância de Earl Sweatshirt, artista com que já colaborou em diferentes instâncias – como rapper, produtor ou designer. Navy Blue, já perceberam, é muitas coisas. E em todas consegue ser (lá está…) profundamente original.
Só este ano, Navy Blue inscreveu o seu nome em projectos de longa duração ao lado ANKHLEJOHN (As Above, So Below) e Akai Solo (True Sky) além de ainda ter largado nas plataformas digitais Navy’s Reprise sem ajudas algumas, assumindo todos os lados do projecto. E isto sucedeu a dois registos longos (Àdá Irin e Song of Sage: Post Panic!) em 2020. Se é assim em tempos pandémicos, imaginem com o mundo aberto!
Sage Elesser de seu verdadeiro nome é de facto um sábio (tradução de Sage…) nascido para deixar marca no hip hop. Nem de propósito, tem Ka, o elusivo e místico rapper que ganha a vida como capitão num quartel de bombeiros em Nova Iorque, como uma referência maior, um herói que conheceu em Brooklyn por intermédio de Earl Sweatshirt.
Educado em Los Angeles, Elesser é filho de uma cantora afro-americana e de um baterista/percussionista chileno. Foi o seu pai que lhe ofereceu o seu primeiro sampler e o resto, poderia dizer-se, é a história que tem vindo a ser escrita a letras douradas nos últimos anos, traduzindo-se numa série de trabalhos que são clássicos de culto modernos.
Dotado de uma singular capacidade para a introspecção, Navy Blue cria música fundada na identidade musical afro-americana (soul e jazz parecem correr abundantemente nas suas veias e nos circuitos do seu sampler) que adorna com uma entrega tranquila, cruzando palavras fundas com ideias sobre si mesmo, os abismos do ego, a vida e as questões eternas a que os sábios sempre se dedicaram. E é essa aura que explica que vá sendo chamado a produzir e a colaborar com gente como Mach Hommy, Tha God Fahim, Moor Mother e Billy Brooks, Armand Hammer ou os já citados Ka e Earl Sweatshirt: uma lista de verdadeiros iluminados que têm garantido que não se apague a chama mais genuína desta arte de dispor ideias sob a forma de palavras cadenciadas em cima de batidas carregadas de drama e paisagens.
Escutar Navy Blue é ver esses filmes interiores, escutar histórias que são alegorias agudas da vida com que todos nos cruzamos. E tudo se torna ainda mais pungente no palco, quando não há outros artifícios que sustentem essa capacidade de tocar o outro que não se resumam a uma presença magnética e uma qualidade artística sólida. RMA