Ramalho Ortigão
José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915) foi também homem do Chiado. Morava na Calçada dos Caetanos no Bairro Alto e era uma presença habitual na Rua Larga de Santa Catarina. Com mais ou menos romantismo, Ramalho, compreendeu muito bem que as ideias fluem, nunca param, e que a qualidade do grupo e das suas ideias valia indiscutivelmente a pena. E não esqueçamos o escritor no desempenho das funções de Diretor da Biblioteca da Ajuda, seguindo os passos do velho Herculano. De Garrett, sabe-se que foram as «Viagens» que despertaram a veia literária de José Duarte. E as raízes têm nele uma muito especial função: «o que tenho de bom, física e moralmente, se alguma coisa boa tenho, devo-o às fortes e sadias convivências da minha infância nessa bendita casa de Germalde…». Depois, passou por Coimbra e não se tornou bacharel, tornando professor de Francês no colégio da Lapa… Cultivava um certo dandismo e era assumidamente conservador. Mais do que teorias interessava-lhe saber olhar. No caso do «Bom Senso»… defendera o velho Castilho e acusara Antero, conseguindo descontentar todos, por não ser suficientemente claro na defesa do romantismo gasto. Cansado do Porto, veio para Lisboa como oficial da Academia das Ciências, e não mais deixou a capital. Começou a colaboração com o jovem Eça. «O Mistério da Estrada de Sintra» é escrito a duas mãos. É uma experiência folhetinesca, onde se nota o desatar das amarras românticas de Ramalho. Mas o que dirão os dois autores? «Romance execrável (…) porque nele há um pouco de tudo quanto um romancista lhe não deveria pôr, e quase tudo quanto um crítico lhe deveria tirar…». É uma autocrítica inteligente de quem sabia da poda. Se Ramalho não é protagonista das Conferências Democráticas, é testemunha e cúmplice, pois «uma campanha alegre» é o abrir de portas, o dar direito de cidade a esse grupo excecional dominado por Antero – «cabeça verdadeiramente enciclopédica, um dos mais sólidos e profundos entendimentos que tem produzido este século, era como a lógica viva daquele foco intelectual». E como podia o pacato portuense compreender esse movimento estuante de energia? «Aos vinte anos é preciso que alguém seja estroina nem sempre para que o mundo progrida, mas ao menos para que o mundo se agite. Para se ser ponderado, correto e imóvel há tempo de sobra na velhice»… Eça e o seu amigo Ramalho vão usar a verve crítica para apresentar as fragilidades da pátria e a necessidade de uma reforma. O tom de ambos é diferente, isso é particularmente óbvio quando José Maria parte para Havana e deixa o encargo ao amigo de manter a tarefa de farpear. Ao tom demolidor de um contrapõe-se o pendor mais pedagógico do outro, mas em ambos há poucas contemplações. Sobre a escrita, o mestre Camilo não tem dúvidas: «Você está escrevendo de modo que eu não leio mais ninguém em português». Os dezassete anos de «As Farpas» constituem um acervo fundamental para se compreender as fragilidades da sociedade nos mais diversos capítulos, mas Ramalho representará a atitude que será, no essencial, a capacidade de recusa de estarmos condenados a ser pouco relevantes. E, com o tempo, sente-se essa força crítica, que se desvanecerá de algum modo no fim do século com as mortes de Antero, Oliveira Martins e Eça. E se falo de sentido crítico, devo recordar o apoio de Ramalho Ortigão a Rafael Bordalo Pinheiro no «Álbum das Glórias» e no «António Maria». Ao lado de Guilherme de Azevedo (João Rialto), sente-se a presença de João Ribaixo, que é naturalmente a inconfundível Ramalhal figura.
Guilherme d’Oliveira Martins